domingo, 9 de março de 2008

Ressuscitar (6)

O dia estava frio mas o sol brilhava...

Tal e qual como estava o espírito de Vítor.

Para trás ficava o edifício do supermercado, para trás ficavam 2 anos de trabalho duro, suado e acima de tudo enriquecedor.

Depois desta experiência, Vítor tinha aprendido que as pessoas que povoam o mundo não são todas iguais.

Percebeu também que por tanto se perderem em coisinhas mínimas e insignificantes, as pessoas são, em larga maioria, fúteis e idiotas.

Compreendeu que por cada 10 pessoas imbecis, há uma na nossa vida que faz com que todas essas sejam absolutamente insignificantes...

E Vítor tinha essa pessoa...

A sua esposa, era uma pessoa que Vítor aprendera a amar apesar do seu feitio difícil.

Vítor reparava como as outras pessoas olhavam para a sua esposa, derivado do seu aspecto "diferente"...

Mas ele não se importava. Ele sabia que as pessoas valem pelo que são e não pelo seu aspecto...

E a sua esposa apesar de ser assim para o fortinha, de ter o cabelo assim para o palha de aço, de ter uns dentinhos a menos e os que ainda tinha serem escuros, era uma pessoa boa lá no fundo...

Era preciso conhece-la.

E Vítor conhecia-a bem.

Agora, sem emprego, Vítor só queria chegar a casa e reconfortar-se nos braços da sua amada.

Apesar dos seus esforços, a esposa de Vítor estava de momento desempregada.

Era Vítor que arcava com as despesas mas sempre confortado pelo facto de que a sua companheira era incansável na procura de emprego.

Ela costumava sair para procurar trabalho, muitas vezes até depois de jantar.

Coitada, saía toda arranjada para tentar que não reparassem na sua fealdade.

Por vezes chegava a casa toda despenteada e amassada, provavelmente por andar de transportes públicos e quem sabe até de andar a pé , ao vento, para poupar dinheiro.

No entanto, coitada, nunca conseguia voltar com boas novas.

Agora a situação era igual para os dois, mas com a força do seu amor, ambos iriam ultrapassar aquela fase.


Chegado à porta do seu prédio, de 1972, Vítor empurra a porta que não tinha já trinco, derivado à erosão dos anos que passavam e à falta de manutenção também...

Sobe as escadas, olha pela centésima vez para os grafites berrantes na parede das escadas do prédio e sobe as escadas de madeira que rangendo o levam até ao terceiro andar, onde vive.

Chegado ao segundo andar, Vítor ouve ao longe algo parecido com gritos.

Era uma voz familiar.

Parecia muito a voz da sua esposa.

Ela estava em apuros!!

Vítor corre escadas acima!!

Parte-se um degrau que estava com a madeira cheia de caruncho!!

Vítor nunca pisava aquele degrau, mas com o pânico nas veias, esqueceu-se e enfiou a perna até ao joelho, esfolando a canela toda!!

A adrenalina no sangue adiou a sensação de dor e num gesto felino, Vítor agarra-se ao corrimão de madeira para se erguer...

O caruncho não se ficava pelo degrau!

Vítor nunca se agarrava ao corrimão, mas naquela altura de desespero, o seu cérebro desligou-se desse pormenor por segundos...

Os suficientes para que Vítor caísse para os seu lado direito, segurando um pedaço de madeira na mão esquerda e ainda com a perna direita enfiada no soalho, começando agora esta a latejar ferozmente...

O desespero era grande, até porque os gritos eram crescentemente altos e desesperados...

Respirando fundo, Vítor apoiou as suas mãos, uma delas cheia de farpas, no chão e conseguiu sair do buraco que o prendia...

Tinha as calças um pouco esfoladas e através da ganga velha, via umas gotinhas de sangue...

Não importava, era altura de agir!!

Com um pouco mais de cautela, Vítor prossegue até ao terceiro andar, onde os gritos ecoavam pelo prédio abaixo...

Vítor avança de forma determinada, de olhos postos na sua porta... Estava fechada...

A sua cabeça era agora uma amalgama de pensamentos horríveis, tentando descortinar o que se passava do outro lado da porta...

Concentrado como estava, Vítor só se apercebeu de um saco com lixo pousado à porta do vizinho, tarde demais...

Estatelado no chão, Vítor sentia agora também o seu joelho esquerdo a doer e ainda parte do seu ombro esquerdo algo dorida do embate contra o corrimão de madeira...

-Mas que raio!

Vítor estava agora furioso por não conseguir controlar o seu terror!

Sentia-se impotente, pois não conseguia chegar a casa, onde algo de errado se passava naquele momento...

E aí, algo se passou...

Os gritos.

Agora ouvia-os bem.

E não eram aquilo que lhe parecera anteriormente...

Não eram gritos contínuos, histéricos, de horror...

Eram algo diferente...

Eram gritos...


De prazer!?

Hã?


Seriam da televisão?

Não... aquela era claramente a voz da sua mulher...

Parecia extasiada...

Que raio...

Vítor levanta-se.

Tira a chave do bolso e mete-a na fechadura e num só movimento, abre a porta de rompão...


Depara-se com uma imagem avassaladora!!


Duas pessoas.

Uma mulher. Um homem. Semi-nús...


-Vítor?!?

-D...Dália?

-Vítor!!

-Dália?!

-O que é que estás aqui a fazer??

-Eu... despedi-me... E tu... vocês... o que estão vocês a fazer, no meu sofá??

-Herr... Vítor... isto não é aquilo que parece...

-Não é? E o que é que isto parece??

-Porque é que não avisaste que vinhas mais cedo??

-Desculpa? Porque é que não avisaste que ias trazer o merceeiro da loja africana cá para casa???

-Sinhô Vírtor... No se trata de nada disso que o sinhô tá a pensar!

-Homem, esteja calado! Não tem vergonha de andar metido com uma mulher casada??

-Casada?? Mas a sinhora Idalina tinha dito que num era casada...

-Está calado Ibraim...

-Por isso é que nunca querias que eu fosse contigo à mercearia!!! Há quanto tempo dura isto??

-3 meses sinhô Vírtor...

-Cala-te Ibraim!

-Discurpe sinhora Idalina...

-3 meses??

-Foi um acidente Vitó, querido...

-Um acidente?? Um acidente foi eu ter-te conhecido, ter-te aturado, ter-te sustentado...
Vou-me embora! Vais ter de arranjar agora outro que te sustente... podes ficar com as coisas todas, não quero nada que me lembre de ti!

-Mas Vitó!!!

Vítor vira costas e sai. Vai-se embora de vez. Contorna o lixo despejado no corredor, salta por cima do buraco no chão das escadas e sai do prédio...

Apesar de traído, Vítor sentia algo que tinha sentido antes nesse dia...

Uma sensação agradável... de liberdade!

Finalmente estava livre da mastronça da mulher.

Afinal, tinha andado este tempo todo a aproveitar-se dele...

Vítor estava agora sem mulher, sem trabalho...

Era hora de mudar.

Era altura de ressuscitar...

4 comentários:

Anônimo disse...

Hello. This post is likeable, and your blog is very interesting, congratulations :-). I will add in my blogroll =). If possible gives a last there on my blog, it is about the Servidor, I hope you enjoy. The address is http://servidor-brasil.blogspot.com. A hug.

Anônimo disse...

Foi com alguma curiosidade que me debrucei sobre este blog...

Curiosidade por várias razões.. Seria apenas uma impertinência saudável de alguém, apelidar-se de “sujeito do caraças”? ou seria apenas uma demonstração do seu alter-ego?

Será que a escolha deste nome foi mera brincadeira? Ou terá alguma justificação oculta? O que levará alguém a achar-se um “sujeito do caraças”?

Foi isso que tentei descortinar no meio das palavras…

Assim, movido por muitas interrogações, e que tal um Almeida Garrett nas suas viagens pela terra, que viajei pelos textos do aqui denominado sujeito do caraças…

Devorei com agrado as diversas peças da vida, retalhos de realidades que, muitas das vezes nos estão mais próximas do que pensamos, e que, por vicissitudes diversas, ás mesmas somos completamente alheios.

Os nossos sentidos, por mais apurados que estejam, já não conseguem obter estes vislumbres da realidade, pois as nossas preocupações centram-se muitas das vezes em objectivos por demais inatingíveis, ou em realidades virtuais que povoam o nosso cérebro e que nos dão uma falsa ilusão de verdade.

Os textos escritos, escorreitos, denotam uma capacidade critica, um olhar atento sobre o mundo que nos rodeia… é bom ter esta capacidade e é bom que não se perca….

O Vítor, cujo nome poderia ser António, Manél, ou outro qualquer desde que permitido pelo Registo Civil, é um português, como poderia ser um inglês, ou espanhol…. Não é o nome que importa, mas sim aquilo que nos move, os sentimentos que as coisas fazem despoletar em nós, e a capacidade que temos, ou não, para lidar com isso.

Não é o só a forma como olhamos para as coisas, mas o que sentimos quando olhamos para elas.

Para quem, como eu e muitos de nós, está já tão habituado a ouvir falar em “geração rasca”, é com algum orgulho que vislumbro que afinal ainda existem pessoas, cujo âmago, seja ele construído pela sua educação, ou fruto do seu próprio crescimento e maturação pela análise crítica da realidade, conseguem, muitas das vezes de uma forma discreta, mas construtiva, ter algo a dizer.

E porque a prelecção já vai longa, a minha curiosidade foi satisfeita. Não é nenhuma impertinência que move este “sujeito do caraças”, nem uma demonstração do seu alter-ego…. Ele, é mesmo assim…. é verdade….e a escolha do nome não é inocente…

Demonstra que, para conhecer os outros, primeiro temos de nos conhecer a nós… e ele conhece-se…

Precisamos de mais “sujeitos do caraças”…

Zédus Anzóes

Sujeito do Caraças disse...

Caro zédus,

Se curioso ficaste com o nome que escolhi, mais curioso fiquei com aquele com que te baptizaste.

Pensei eu, zédus anzóes, porquê este nome tão redutor?

Não me parece possível que o zédus se remeta apenas aos anzóes, todos nós temos mais do que um utensílio piscatório dentro de nós, que por sua vez não são mais do que uma metáfora para a riqueza intelectual que ilumina desde o mais modesto escriba, ao mais enaltecido poeta!

E se ao apelar por mais Sujeitos do Caraças, já Zédus provava categoricamente ser um deles, mal ele sabia que outros dois iriam de seguida surgir.

Alegro-me por ver que este Blog do Caraças, começa a estar povoado de Sujeitos do caraças.

Zédus, és do Caraças!

Anônimo disse...

Boa tarde SDC….

Em primeiro lugar tenho de agradecer o elogio… posso ser do Caraças, mas não um sujeito do caraças… pois esse lugar já está ocupado…

Desculpa não partilhar do teu sentimento quanto ao meu nome…

Redutor? Antes pelo contrário…

Permite-me humildemente contrariar que tal denominação metafórica me pareceu muito mais profunda…

Se me denominasse Zé dos Anzóis, tal atribuição, por se afigurar mais corriqueira e vulgar, correria o risco de afectar o meu alter-ego….

Soou bem… e assim ficou… mas a conotação piscícola no âmbito de uma busca por mais sujeitos do caraças, sem beliscar o pódium atribuído à tua pessoa, está perfeitamente correcta…

Não posso deixar passar no entanto que, sem prejuízo de uma avaliação pessoal e subjectiva dos outros sujeitos, muito caminho têm ainda a percorrer para chegar á fluidez de quem, ao sabor do pensamento, escreve simples, incisivo, e profundo….apesar da aparente superficialidade e banalidade das palavras….

Quanto ao sujeito do caraças, esse é só mesmo um… os outros quanto muito serão, uns verdadeiros, outros projectos, meros aspirantes a isso, porque para escrever não basta pôr as palavras á frente umas das outras… é preciso dar-lhes um sentido por mais aparentemente simples nos possam parecer…

Continua…

E espero sinceramente que, publicadas as memórias de um bloguista que se chama sujeito do caraças, num futuro próximo, possa ser contemplado com a 1ª edição devidamente autografada pelo seu Autor…

Aquele abraço

Zédus Anzóes