domingo, 9 de março de 2008

Velhas (4)

Hoje vou-vos falar da maior ameaça ao mundo civilizado tal como o conhecemos:

As velhas!

As malditas velhas, as chatas e irritantes, caquécticas e enervantes, velhas!

A maior parte de vocês pode achar isto estranho, mas eu posso explicar...

As velhas são uns animais que medem cerca de 1,50m, têm duas fileiras de dentes, geralmente desmontáveis, andam sempre marrecas e muitas delas têm o cabelo cor-de-rosa/roxo...

Logo aqui temos uma coisa muito estranha!

Porque raio é que as velhas têm o cabelo púrpura ou lá o que é aquilo?

E tufoso?

Parecem um algodão doce! E que fala!

E dizem coisas ainda por cima!

Geralmente é para pedir coisas.

Pedir o lugar no autocarro, pedir o lugar no posto médico, pedir o lugar na fila do supermercado...


Estava Vítor a laborar na sua rotina diária, oscilando entre o prazer de ensacar e a felicidade de registar os produtos, entre a fantasia de dar o troco e o orgulho de dizer bom dia e obrigado...

Fila de cinco pessoas.

Chega uma sexta.

Sapatinho preto. Saia verde. Camisa roxa com riscas verdes. Cabelo roxo. Um roxinho doce fazendo lembrar algodão...

-Olhe!

Vítor olha.

-É pra pagar!

Diz ela do fim da bicha.

-Vai fechar, esta caixa?

Hã?

-Pode-me atender?

O quê? Mas acabei de chegar, porque raio havia de ir fechar já?

-Posso, posso minha senhora, vai ter de aguardar só um minuto.

Vítor acaba de atender o cliente que estava à sua frente e nisto não repara que a velha já tinha contornado a fila por trás e sem que as pessoas se apercebessem...

-Já me pode atender?

-Herr... minha senhora, tinha estes senhores à sua frente...

As pessoas chispavam fagulhas dos olhos... Mas é preciso respeitar os mais velhos...

É esta a arma delas! Encontraram a nossa fraqueza e exploram-na sem escrúpulos!

São implacáveis, autênticos enviados de Satanás, sem coração nem misericórdia!

Quem é que é capaz de negar dar passagem a uma velha que parece que se vai desmontar toda?

-Só se os senhores não se importarem...

Os outros clientes encolhem os ombros e bufam...

E Vítor cumpre os seu destino: regista!

Manteiga Becel... Bip!

Laca para cabelo... Bip!

Cápsulas coro cabeludo... Bip!

Tena pants... Bip!

E estas até eram e forma de tanga para usar com uma cueca sexy...

Estranho...

Hora de pagar.

-Quanto é?

-É 47,30€ se faz favor.

-Tanto?

-Minha senhora...

-Não se enganou, veja lá bem! Tou a achar muito!

Vítor confirma, tudo normal!

-Quanto é que são as cápsulas?

-São 16,50€...

-Ai mas não era isso que estava lá marcado!

-Então, quanto é que lhe pareceu ter visto?

-Era uns dezasseis e pouco não passava disso!

Hã?? Tás a gozar comigo só pode...

-Mas minha senhora, isto é 16,50€...

-Não pode ser, assim não levo!

-Mas quer que eu confirme o preço?

-Quero quero! Isso está mal, é enganar as pessoas!

Vítor pega no telefone e liga ao departamento.

-Estou?

-Sim, sim?

-Colega pode-me confirmar o preço das cápsulas para o coro cabeludo?

-Só um momento... é 16,50€!

-Ok, obrigado então...

-Está certo o preço minha senhora...

-Ah e a manteiga quanto é?

Oh minha mãe!

-3,45€! Sempre vai levar as coisas ou deixa ficar?

Nisto a fila tinha passado para o dobro das pessoas e mais de metade delas estava a um milímetro de arrancar a cabeça da velha com as próprias mãos...

Assim tipo rodar a tampa de uma garrafa de agua... conseguem imaginar? eh eh...

Trak... trrrrakk!

-Ai tá bem mas não venho cá mais, isto é um roubo!

Siga...

A velha saca do seu cartão de cliente para pagar, Vítor passa na ranhura: --OK--

-Assine aqui por favor.

E aqui cria-se outro grande mistério semelhante ao do cabelo rosé!

Ela tira os seus óculos grandes tipo rodas de bicicleta e afasta bem a folha para onde vai assinar...

Depois aproxima a cara do papel parando apenas a dois centímetros para depois voltar a afastar...

Ela claramente não estava a ver um palmo à frente da verruga...


Vítor estende-lhe a caneta e aqui algo de estranho se passa.

Ela não só não conseguia ver o talão a mais de um polegar, como não consegue ver a mão do Vítor a segurar na caneta e vai de dar umas cabeçadas nos dedos dele entrelaçando a caneta Parker na sua farta cabeleira cor de flamingo...

-Oh minha senhora...

Ela recua, volta a pôr os óculos e olha para ele...

-Sim?

-Herr... pode assinar se faz favor...

Ela volta a tirar os seus grandes óculos e vai de começar a tactear o talão e a caneta...

Finalmente lá segura em ambos e de forma surrealista assina metade na folha, metade na passadeira das compras...

-Ai não sei se ficou bem, veja lá...

É pá, mas a mulher vê mal que sa farta e para tirar os óculos antes de assinar ainda deve ver pior com eles... a não ser que seja mesmo trolha!

-Está bom sim, obrigado!

Dez minutos depois de ela ter chegado para arruinar o dia das pessoas que estavam atrás de si, eis que ela pega no saquito e se despede.

Com os óculos bem fixados acima da verruga, olha para a placa do nosso amigo a um metro e meio de distância e diz:

-Ah chama-se Vítor como o meu filho... logo vi que era bom rapazinho...

Epá... tenho de fugir daqui!!

Um comentário:

Flappy disse...

Adorei este pequeno relato do quotidiano! Acho que toda a gente já passou por este gremlin da civilização :D